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2019: O Que Será das Agências de Comunicação?

A partir do início do século 21 começaram a ocorrer transformações profundas e diversas na natureza e no mercado das agências de comunicação como nunca desde que surgiram nos seus principais ramos – publicidade e relações públicas – entre o final do século 19 e o início do século 20.

No Brasil, as agências iniciaram suas histórias com atraso de algumas décadas – publicidade em 1914 e relações públicas (agora denominada “comunicação corporativa”) em 1952. Hoje estão niveladas ao padrão dos principais mercados globais e empenhadas na mesma tarefa: reinventar-se.

De forma não linear, elencarei neste artigo o que considero ser os principais desafios e tendências que manterão o ritmo frenético de mudanças no modelo de negócio e no modo de operar das agências e de seus profissionais.

Onipresença digital

O mundo se digitalizou radicalmente. E estamos só no começo. A interação digital entre pessoas e entre coisas e pessoas continuará crescendo de forma exponencial. Comprar, informar-se, aprender, expressar-se, trabalhar, locomover-se, cuidar da saúde, divertir-se… Será infinita a lista de atividades realizadas em meios e ambientes digitais.

Empresas são e serão provedoras de boa parte desses produtos, serviços e conteúdos, e a qualidade dessa interação terá mais e mais impacto nos processos de construção de suas marcas. Há muito se reconhece que a comunicação não se restringe a “peças e canais de comunicação”, mas se estende a todos os pontos de contato das marcas com seus públicos. A digitalização expandiu esses pontos e fortaleceu seu poder de engajamento. Também diminuiu a intermediação na interação das empresas com as pessoas, dissolvendo elos da cadeia.

É cada vez mais incongruente tratar a comunicação digital como disciplina ou meio à parte: ela é transversal a todas as disciplinas e todos os meios. Os gestores de marketing e comunicação nas empresas e todos os profissionais das agências precisam vivenciar, entender, aprender e aplicar os preceitos dos meios digitais: instantaneidade, mobilidade, interconectividade, velocidade, compartilhamento, multissensorialidade, horizontalidade etc., além da geração de uma profusão de dados que permitem a mensuração real e precisa de resultados.

Se boa parte dos orçamentos ainda hoje é consumida por meios não digitais e/ou formas interruptivas e ineficazes de contato, isso se deve à impossibilidade de mudança do mindset de muitos executivos de comunicação e marketing nas empresas. A natural ascensão de uma geração de nativos digitais para esses postos tornará a alocação de tais recursos mais compatível com a nova realidade.

Consolidação & Pulverização

De um lado, em decorrência da revolução digital, ficou mais prático, direto e barato para as companhias comunicar-se com seus públicos; de outro, o movimento de diversificação e integração de competências promovido pelas agências de todas as tipologias (publicidade, comunicação corporativa, digitais etc.) gerou sobreposição de serviços entre os diversos fornecedores das empresas. E, para agravar, pela janela digital ingressaram novos e poderosos integrantes do mercado: as consultorias estratégicas. Resultado: tem agência demais e recurso de menos.

Por isso, a redução do número de players tende a continuar, com os grupos mais capitalizados absorvendo agências de distintas especialidades para incorporar e diversificar as competências das suas agências principais.

Paradoxalmente, a diminuição da barreira de entrada pela acessibilidade do conhecimento e da tecnologia, a vocação empreendedora das novas gerações e a demanda por serviços mais especializados e de menor custo continuarão a estimular o ingresso de novos players no mercado, mais ágeis, atualizados e econômicos, constituindo uma vasta, diversificada e pulverizada rede de fornecedores com altas taxas de mortalidade e renovação.

Especialização & Diversificação

O espaço para generalistas continuará a diminuir. A comunicação de base digital requer profissionais com capacitação mais profunda e específica, seja em funções técnicas, estratégicas ou de relacionamento.

Com isso, os quadros das agências não serão mais monopolizados por profissionais egressos das faculdades de comunicação, passando a comportar engenheiros, estatísticos, administradores, psicólogos, sociólogos, entre muitas outras formações.

O que todos deverão ter em comum é a habilidade emocional para trabalhar em estruturas integradas e colaborativas.

Integração & Colaboração

Eu aposto no desaparecimento do modelo de separação das agências por disciplina: publicidade, relações públicas, promoção etc. Os clientes querem comprar soluções, e não ferramentas. E as soluções dependem do uso simultâneo de distintas ferramentas.

Entendo que o mercado tenderá a reconhecer dois tipos básicos de fornecedores de comunicação: os integradores e os especialistas.

Os integradores serão multidisciplinares, internalizando competências fundamentais e de maior valor estratégico para se posicionar como agências líderes de seus clientes. Trabalharão em rede com parceiros superespecializados que, em seu conjunto, comporão um leque de competências específicas bem mais amplo e diversificado do que a rede atual de fornecedores das agências e das empresas.

Transparência Radical

O rei está nu. As empresas estão expostas em uma redoma de vidro. Não há áreas de sombra para se esconder. Numa sociedade conectada em rede com poder de comunicação instantâneo e multissensorial todos estão sob o escrutínio de todos, para o bem e para o mal.

Ser low profile ou no profile deixou de ser opção. Em maior ou em menor escala, todas as marcas fazem parte das conversas que nascem locais e num átimo podem se tornar globais. Por isso, é mais sábio participar e influenciar.

Potencialmente, esse contexto expande muito a demanda por serviços de comunicação. Não importa se pequenas, médias ou grandes, B to B ou B to C, startups ou centenárias, todas as empresas precisam hoje interagir e compartilhar valor com seus diversos públicos de forma contínua e estruturada.

Os novos paradigmas não só ampliaram a relevância da comunicação, mas também seu modo de fazer. O contexto de transparência radical exige que todas as mensagens tenham consistência e coerência radicais. Desapareceram os anteparos entre o que está dentro e o mundo lá fora. Um comunicado interno deve ser escrito tendo por premissa que seu teor será viralizado nas redes sociais. Os conteúdos transmitidos pelas mais diversas áreas e porta-vozes das empresas precisam ser orquestrados porque serão comparados e terão suas dissonâncias apontadas.

Uma coisa não mudará: o lastro da coerência continuará sendo a externalização da essência da marca em todos os seus pontos de contato.

A Velha e Boa História

Outra coisa não mudará: os princípios do storytelling continuarão a ser adotados como base da narrativa das marcas. A aversão à comunicação invasiva e sedutora, que reinou por décadas, valorizou conteúdos persuasivos estruturados em enredos por técnicas que vêm sendo aprimoradas desde os tempos em que nos reuníamos nas cavernas em torno de fogueiras.

Porém, a técnica em si não garante a conquista do coração das pessoas. Os conteúdos precisam ter significado para ser relevantes. Boa parte do storytelling ainda hoje é preenchida com os mesmos preceitos vazios que estão em ruína. A perspectiva de saturação é evidente. Por quanto tempo as pessoas vão suportar estórias artificialmente construídas que se concluem com a “surpresa & emoção” dos personagens, captadas por câmeras ocultas?

As marcas deverão abraçar temas mais concretos que expressem sua identidade, compartilhem seus propósitos, difundam suas atitudes e tenham valor real para seus públicos. Saem em vantagem no jogo os profissionais que ajudam as empresas a definir a essência de suas marcas e aqueles que sempre se dedicaram a contar suas melhores histórias para conquistar espaço na mídia e obter a atenção de seus públicos.

Quem Será o Maestro?

Por décadas as agências de publicidade foram as chamadas AOR (Agency of Record) de seus clientes. Assumiam ampla responsabilidade pelos serviços de comunicação das empresas, desde a estratégia da marca até a criação e a inserção na mídia. Historicamente, as agências de comunicação corporativa não chegavam a se subordinar a elas, não necessariamente por mérito, mas em decorrência de se vincularem às áreas institucionais e de baixo orçamento.

Esse modelo oferecia vantagens para as empresas: alinhamento da estratégia, ganho contínuo de eficiência, responsabilidade clara, conhecimento cumulativo, vínculos de confiança; e, para as agências: garantia de amortização do custo de aquisição dos clientes, estabilidade e previsibilidade de receita, bloqueio a concorrentes, monopólio de reconhecimento.

Esse oásis está virando miragem.

Os meios digitais deram origem a novos tipos de fornecedores que ganham relevância e autonomia proporcionais aos resultados que geram. E a inversão da pirâmide de influência provocada por esses meios interativos, dando maior poder aos indivíduos perante as marcas, conduziu a cultura das relações públicas para o centro da estratégia, pois o diálogo, a horizontalidade e o storytelling estão no seu DNA.

Algumas empresas já transferiram o cetro de AOR para agências de comunicação corporativa e as digitais, que assumiram inclusive a criação e a veiculação de campanhas de publicidade convencional.

Não acho possível prever o futuro das AORs. Só há duas coisas certas: 1. As agências de publicidade perderam o monopólio porque sua competência-chave perdeu eficácia e relevância. 2. As agências de todas as demais disciplinas tentarão assumir o papel.

O desafio das agências de publicidade é se refundar. Seu modelo de negócio está baseado em mídia comprada, e sua cultura é a da comunicação unidirecional e massiva, baseada em sedução, e não em atitudes, predicados dissonantes dos novos paradigmas dos públicos.

Já as agências com origem nas demais disciplinas precisam ser mais bem-sucedidas na incorporação e na integração de novas competências. As de comunicação corporativa, por exemplo, precisam se digitalizar transversalmente, ampliar seus relacionamentos para influenciadores muito além das redações, incorporar criações robustas em suas entregas, comprovar seus resultados por indicadores mais tangíveis.

A falta de clareza sobre o papel que os clientes estão dispostos a assumir e internalizar conclui o rol de dificuldades para prognosticar quem será o novo maestro.

Gente Quer Ser Feliz

Não há como não repetir o clichê: atrair, reter, motivar e desenvolver talentos é o fator crítico para o sucesso de qualquer negócio, principalmente para os que têm as pessoas como insumos únicos, como é o caso das agências de comunicação.

Essa é outra frente muito desafiadora. Não bastassem as restrições financeiras limitarem o custeio de grandes talentos, as novas gerações profissionais estão menos dispostas a comprometer qualidade de vida pelo excesso de pressão e carga de trabalho, comum à maioria das agências. Parecem também mais dispostas a correr riscos, preferindo trabalhar de forma autônoma ou montando seus próprios negócios.

Relações abertas, transparentes, baseadas em responsabilidade e confiança; ambientes inclusivos que respeitem a diversidade; flexibilidade de horários e locais de trabalho; metas e práticas de sustentabilidade; treinamentos regulares e compartilhamento de novos conhecimentos; liberdade para inovar e empreender; recompensa financeira proporcional aos resultados gerados para os clientes – este é o meu rol de sugestões para manter nas agências as melhores pessoas.

A Conta Não Fecha

Entre tantos desafios, o maior será o de reconstruir o modelo de negócio das agências. Não vejo luz no fim do túnel para o modelo das agências de publicidade, particularmente no Brasil, baseado em comissão de mídia turbinada pelos veículos por bonificações de ética questionável. A perda de relevância dos meios convencionais e a aversão pública aos anúncios interruptivos em canais lineares continuarão a fazer minguar seus orçamentos, que um dia já foram bilionários, inviabilizando uma estrutura construída nesses tempos de fartura.

Mas a vida das agências com modelos baseados em horas profissionais e/ou projetos, como as de comunicação corporativa, também está longe de ser fácil. Seus custos estão em escala inversa à redução do orçamento de seus clientes. O contexto requer que façam pesados investimentos na incorporação, na integração e no custeio de novas competências (digital, criação, mídia, métricas etc.), num momento em que as empresas buscam cortar custos promovendo processos de concorrência draconianos, tirando proveito da abundância de fornecedores.

A perspectiva é de baixíssima remuneração para todos os serviços “comoditizáveis”. Em breve, alguns deles também serão fornecidos por robôs. Rentabilidades expressivas só serão obtidas por agências que conseguirem compor times capazes de gerar entregas de alto valor, que tenham impacto efetivo no negócio de seus clientes, e que aceitem correr riscos de buscar soluções fixando remunerações expressivas, mas dependentes de resultados mensuráveis.

Contagem Regressiva

Neste artigo conjuguei muitos verbos no futuro, mas, na verdade, tudo que aponto já teve início e vem promovendo mudanças evidentes. O processo só não atingiu ainda dimensão suficiente para romper a hegemonia do velho modelo por causa de sua força inercial, acumulada nas décadas de sua vigência. Porém, tudo é questão de (pouco) tempo. Quem sobreviver verá.

Yacoff Sarkovas
Publicado no livro “50 Anos Aberje: Ensaios e Memórias”, em Janeiro de 2019