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1997: Marketing Cultural na Economia da Cultura

O termo “marketing cultural” foi cunhado no Brasil pelo ponto de vista das empresas. Quando elas associaram suas imagens às atividades esportivas, chamaram isso de “marketing esportivo”. Quando essa relação passou a se estabelecer com as atividades artístico-culturais, denominaram-na de “marketing cultural”. Acho uma pena, porque os agentes do mercado cultural brasileiro – os museus, as orquestras, as companhias de teatro, de dança – precisam muito do marketing como técnica. E quando começarem a utilizar o instrumental do marketing para direcionar melhor os seus esforços junto aos seus nichos de mercado – porque a arte também tem uma dimensão de produto – vão ter que criar um outro termo. Quando preciso me referir ao uso do marketing neste campo, denomino-o de “marketing do produto cultural”. Portanto, foram as empresas que passaram a dizer: – Estou fazendo marketing cultural. Ou seja, está fazendo comunicação por meio de ações culturais.

Vamos inicialmente posicionar o marketing cultural na economia da cultura.

Fontes de financiamento

No princípio, era o mecenato. O mecenato milenar do Estado evoluiu para o que hoje chamamos de políticas culturais públicas. Outra fonte histórica é o mecenato da igreja, que não teve evolução. Já o mecenato das elites evoluiu para o mecenato institucional privado. É importante destacar que marketing cultural não é mecenato. Tem natureza distinta e é regido por motivações distintas. Quem hoje lidera o mecenato privado é o chamado terceiro setor. Aqui temos uma página da revista Veja informando que o Sr. Packard destinou 7,2 bilhões de dólares à fundação que leva seu sobrenome, assumindo, assim, o primeiro lugar antes ocupado pela Fundação Ford. Em outras partes do planeta, milionários têm esse maravilhoso hábito de morrer deixando fortunas para fundações, ou destinar recursos em vida para financiar tanto a cultura como as mais variadas áreas de interesse coletivo. É um fenômeno que ocorre, principalmente, nos países protestantes e, em particular, nos EUA, onde o mecenato privado tem tradição secular. Já na Europa, as políticas públicas financiam a maior parte das atividades artísticas e culturais, cabendo ao mecenato privado parcela menor.

No nosso querido Brasil não temos nem tradição de financiamento pelo Estado, nem pelo mecenato privado. O mercado cultural brasileiro é, de um lado, um dos mais ricos em diversidade, qualidade e quantidade de manifestações e, de outro, um órfão que carece eternamente de recursos. Quando, a partir da década de 80, os departamentos de marketing e de comunicação corporativa das empresas começaram a patrocinar atividades artísticas no país, o meio cultural se atirou avidamente à busca destes recursos. Este processo produziu todo nosso aprendizado sobre o patrocínio privado, mas nos tirou a perspectiva do financiamento das demais fontes.

Falando um pouco mais sobre o financiamento público, aqui temos os índices de investimento per capita em alguns países: US$ 35 na Suécia, US$ 32 no Canadá, US$ 30 na França. Esse quadro é da década de 80. Mas não deve ter se alterado muito, apesar de haver uma tendência generalizada de diminuição no investimento do Estado na cultura. A Holanda também está na faixa próxima aos U$ 30. A Inglaterra, já na era pós-Tatcher, com U$ 9 e os EUA com U$ 2 per capita. E isso não significa que o mercado cultural norte-americano seja pobre. Ao contrário, é próspero, graças ao investimento do mecenato privado. O National Endowment for the Arts é um fundo público que, mais do que recursos, concede uma espécie de “selo de qualidade” do governo ao projeto cultural que, assim, ganha legitimidade para captar investimentos junto às fundações privadas.

O Estado utiliza dois mecanismos para injetar recursos na cultura: o investimento direto e o incentivo fiscal. O caminho clássico é a injeção de recursos diretos do tesouro nas demandas culturais. E o caminho mais novo, mais sofisticado, e que no Brasil teve início no ano de 1986 com a falecida Lei Sarney, é o do incentivo fiscal. Antes de entrarem no caixa do Estado, parte dos impostos é deduzida e injetada na cultura em contrapartida aos recursos privados. Este é o princípio do incentivo fiscal: se o contribuinte investe em uma área de interesse do Estado, o Estado complementa o investimento por meio de dedução fiscal. É uma parceria que o Estado propõe à sociedade civil: coloque uma moeda ali que eu coloco outra. Esta é a regra das leis de incentivo no planeta terra, menos da Lei do Audiovisual no planeta Brasil, onde o contribuinte investe em uma área de seu próprio interesse e recebe tudo de volta em dedução fiscal, acrescido de 25%.

Tem gente que acha que o Estado não deve botar um centavo na cultura. Este artigo de um articulista do Financial Times diz que Shakespeare já não precisava de subsídio e defende a idéia que a cultura deve se reger pelas leis de mercado. Não é a minha opinião. Porém, não podemos esquecer que uma das principais fontes de financiamento da cultura é esse ser desconhecido chamado público. Ele compra quadros, livros, discos, vídeos, ingressos, assina canais de televisão ou assiste transmissões abertas, que paga absorvendo aquela montanha de comerciais. Ele constitui o mercado consumidor cultural.

O que caracteriza o mecenato histórico é a beneficência, o favor, a cultura passando o chapéu: a relação de dependência. Na contemporaneidade, a cultura estabelece uma relação de parceria, tanto com a área pública, quanto com a área privada. A reciprocidade é a premissa básica para obtenção de recursos em qualquer das fontes de financiamento. É uma questão aparentemente óbvia, mas difícil de ser compreendida. O meio cultural ainda é contaminado por reminiscências do mecenato histórico: parece estar sempre em busca de um pai generoso.

Ao longo da história há uma mudança de motivação no mecenato privado. Até o final do século XIX ele era personalizado. Como no tempo dos Médicis, era uma questão pessoal, familiar. Neste século, o mecenato adquire caráter corporativo, principalmente nos EUA. Começam a surgir as fundações profissionalizadas, como a Rockfeller, Fullbright, Ford,… No mesmo período, fortes transformações também passam a ocorrer na forma das empresas se comunicarem com seus públicos de interesse.

Eu situo no entroncamento desses dois movimentos o nascimento do que, no Brasil, chamamos de marketing cultural. Mais precisamente em 1966, quando David Rockfeller fundou o Business Committee for the Arts, uma instituição formada por empresários que consideravam o florescimento cultural um bom negócio para a humanidade, um bom negócio para o país, um bom negócio para a economia americana e, principalmente, um bom negócio para as suas próprias empresas. Pela primeira vez, o apoio à cultura é justificado pelo retorno direto que podia trazer ao patrocinador e não por uma retórica beneficente.

Mas é somente ao longo da década de 80 que o patrocínio cultural ganha corpo. A publicidade já não detém o monopólio das verbas. As empresas passam a diversificar suas ferramentas de comunicação, adotando novos conceitos, novas estratégias. Entre elas, a comunicação por meio de atitudes. Vocês não vão encontrar este termo em nenhum livro. Ele foi desenvolvido na Articultura para denominar a técnica de comunicação na qual o patrocínio cultural se insere.

Entendo que há três fatores induzindo as empresas a investirem recursos na comunicação por meio de atitudes.

1. O império das marcas

A oferta de produtos similares em preço e qualidade é crescente. Vejam este exemplo: em 87 tínhamos seis marcas disputando o mercado de veículos de passageiros no Brasil. Hoje, vinte e nove. Quando entramos numa loja de eletrodomésticos, nos deparamos com aquela parede de tevês de vinte polegadas, todas com variações de preços de poucos reais, todas com controle remoto e com o mesmo padrão tecnológico. O que nos faz preferir um produto em relação aos demais quando racionalmente não diferem? O nosso grau de relacionamento, de afetividade com a marca. Os fatores de decisão de compra encontram-se no inconsciente das pessoas.

Num processo regido pela subjetividade, a grande meta dos profissionais de marketing é construir marcas com identidade própria, diferenciada, inconfundível. Esta é a base para a conquista da lealdade dos seus nichos de público. As estratégias de comunicação das empresas estão comprometidas com este objetivo, o que beneficia as ferramentas de comunicação com maior poder simbólico.

As marcas tornaram-se o principal ativo das empresas, mais que suas fábricas, fórmulas, fundos de comércio. Pela técnica do “brand equity” – eqüidade da marca, expressão que precisa ainda adquirir significado em português – hoje se estabelece a valoração da marca. Deve-se aos profissionais do mercado financeiro o desenvolvimento desta técnica, porque as fórmulas tradicionais para medir o valor de uma empresa, nas decisões de compra e venda de suas ações, não se aplicavam mais. A soma dos ativos físicos já não correspondia a seu valor. Exemplificando: enquanto os ativos físicos da Coca-Cola somam algo em torno de U$ 3 bilhões, a marca vale U$ 50 bilhões. Portanto, o maior patrimônio dos acionistas da Coca-Cola é uma abstração, algo que não pode ser tocado, cheirado, visto, bebido, armazenado, guardado em cofre. E é por isso que os esforços de comunicação das empresas se concentram cada vez mais nessa abstração, a marca. O mercado vive sob o império das marcas. O importante não é mais produzir um bem, e sim criar um símbolo, um signo. Vivemos na era dos símbolos, dos signos.

2. Comunicação em crise

As ferramentas convencionais de comunicação empresarial não conseguem mais atender às necessidades das marcas. A credibilidade da publicidade junto ao consumidor é decrescente. Como os vírus que se tornam resistentes aos antibióticos pelo nosso excesso de ingestão, o consumidor vem se tornando resistente à massificação dos apelos publicitários.

O volume de comunicação empresarial é brutal. Estudos revelam que o ser urbano é atingido por centenas de apelos por dia, desde a embalagem do xampu no boxe do banheiro pela manhã, passando pelos outdoors, jornais, televisões, folhetos…  E quanto maior o volume de comunicação, menor a sua capacidade de assimilação. Os consumidores resistentes aos meios e mensagens convencionais de comunicação integram o segmento que mais cresce no mercado.

3. Vigilância social

O desenvolvimento da cidadania torna a comunidade cada dia mais atenta às atitudes das empresas, levando-as a assumirem responsabilidades sociais. Isto produz uma nova demanda de comunicação, porque não basta a mulher de César ser honesta, mas, também, parecer honesta.

Quando um empresário pede a diminuição do Estado, está assumindo maior responsabilidade social, mesmo que não perceba. É como se estivesse dizendo, “pode diminuir o Estado, que eu seguro a barra”. Esse anúncio do Chase Manhattan vai direto ao ponto: Seu título “quando um governo dá menos para arte e educação, alguém tem que dar mais”. E o texto complementa: “a cada ano nós ampliamos a nossa participação no financiamento da arte e da educação.” Já este anúncio da Xerox do Brasil, diz: “de que vale ser o melhor, se você não é bom para os seus vizinhos?”. Há poucas décadas, este modelo do transatlântico engarrafado navegando entre pequenas embarcações orgulharia qualquer empresário. Hoje, a empresa não sobrevive isolada do seu meio social.

Na equação elementar do marketing – equilibrar a lucratividade da empresa com a satisfação do desejo de seus consumidores – foi introduzido um terceiro elemento: o interesse coletivo. Este triângulo substituiu o modelo bipolar e é a base do conceito de marketing social do Kotler. Satisfazer o interesse coletivo virou parte do negócio. Por isso, as empresas desenvolvem produtos que além de atenderem às expectativas dos seus nichos de mercado, não causam, por exemplo,  prejuízo ao meio ambiente. Quando a empresa informa isto na embalagem de um produto, está destinando a mensagem a toda comunidade. Estamos criando um  mercado-cidadão que exige empresas-cidadãs. E nele, a atitude é a melhor mensagem.

Comunicação por atitude

Credibilidade é um requisito indispensável à construção de marcas em um mercado-cidadão. E para resgatar credibilidade às mensagens é necessário dar concretude aos meios. A comunicação por atitude é uma forma das marcas de empresas e produtos manifestarem concretamente seus valores e crenças. Sua estratégia é associar a marca a ações adequadas à sua identidade e de interesse de seus segmentos de público.

Há quatro grandes áreas de comunicação por atitude: a esportiva, a cultural, a comunitária e a ambiental. Não dispomos de aferição dos investimentos nesta ferramenta no Brasil. Nos EUA, ela já movimenta U$ 5,4 bilhões por ano. Cresceu 535%, desde 85. Somos contemporâneos do nascimento de uma nova ferramenta de comunicação empresarial que começou a se desenvolver ao final da década de 80 e foi tomando corpo ao longo dos anos 90. Nos EUA, cresce a taxas de 15% ao ano, contra uma média de 5% da publicidade e da promoção.

Os 535% de crescimento da ferramenta, ocorrida nos EUA nos últimos 11 anos, correspondem a todas as formas de comunicação por atitude somadas. Separadas, observamos que o patrocínio esportivo cresceu 366%, portanto abaixo da média, enquanto o patrocínio cultural atingiu 1.594% no mesmo período, três vezes a média, o que confirma a valorização crescente da arte e do entretenimento.

Vou destacar três diferenciais relevantes da comunicação por meio de atitudes.

1. Identidade

Suas ações têm a capacidade de expressar a personalidade da marca e, ao mesmo tempo, agrega a ela valor. Isto significa produzir referências simbólicas que estimulam fortemente a identificação do público-alvo. E é evolução deste vínculo que leva à conquista de clientes fieis.

2. Credibilidade

A comunicação se dá por meio de ações concretas que legitimam a mensagem, ampliam sua credibilidade, facilitam sua assimilação. Quem ainda acredita naquelas famílias felizes dos comerciais de margarina? Ou que os cartões de crédito nos tornam homens amados pelas mulheres mais lindas do planeta? A supressão dos diferenciais entre produtos (preço, padrão, qualidade, etc.) levou a publicidade a massificar aspectos subjetivos do consumo. Mas com o abuso do uso, a técnica de agregar valor por meio de ficções foi se esgotando. Pela dimensão dos interesses em jogo, terá morte lenta. Mas não há mais como sustentar a estratégia de comunicação de uma marca exclusivamente em artificialismos estéreis. Enquanto a publicidade divulga valores associados à marca, na comunicação por atitude, a marca demonstra que age conforme seus valores. Quando a publicidade está a serviço de uma ação de comunicação por meio de atitude, a marca divulga a atuação de seus valores, resgatando a credibilidade da mensagem para todo o mix de comunicação da marca.

3 . Responsabilidade social

Promover ações em benefício da cultura, da ecologia, das causas comunitárias, é uma forma extraordinária de demonstrar a responsabilidade social da empresa e, assim, criar um diferencial corporativo para a marca. Um mercado-cidadão exige marcas-cidadãs.

Atitudes culturais

Estabelecidos estes três diferenciais da comunicação por atitude, quero agora destacar três predicados específicos das ações de marketing cultural.

1. Demanda

Há um público crescente para as artes, a cultura e o entretenimento. Hoje, boa parte do turismo, por exemplo, é de natureza cultural. A globalização produz a massificação de signos planetários e, em contrapartida, a valorização do que é singular. O que é próprio e original de  uma localidade ou um grupo passa a ser um bem precioso. O deslocamento físico das pessoas em busca dessa singularidade, dessas particularidades culturais, movimenta parcela substancial da economia turística.

A mídia noticia constantemente a explosão do consumo cultural, o crescimento da demanda nos teatros, museus, livrarias, shows, cinemas,… Isto revela a ampliação da demanda por signos, por símbolos, por meios que, em última instância, nos ajudem a nos relacionar com nós próprios  e com nosso meio; a entender o que somos, de onde viemos, para onde vamos. Em um plano qualitativo distinto, a explosão do misticismo, dos livros de auto ajuda, das seitas e sub-seitas, faz parte do mesmo fenômeno. Pelas minhas crenças, entendo que as melhores formas que os humanos encontraram para elaborar suas questões existências encontram-se na herança imemorável da arte e da cultura humana. Milhões de pessoas acham o mesmo, mesmo no país do futebol. Observem esta notícia na capa do Caderno B do Jornal do Brasil: “Museu de Arte Contemporânea de Niterói atrai 90.000 pessoas em dois meses e ofusca o Maracanã”. Um museu recém inaugurado do outro lado da baía da Guanabara atraiu em seus dois primeiros meses mais público do que todo campeonato carioca de futebol no mesmo período. Tá certo que era um campeonato dirigido pelo Caixa D’água. Mas, de toda forma, é uma performance significativa para um museu se confrontar com o Maracanã e vencer a disputa de público.

Este confronto tem se refletido nos investimentos das empresas na comunicação por atitude. Lembram-se daqueles 535% de crescimento desta ferramenta, ocorrida nos EUA nos últimos 11 anos? Este é o número de todas as formas de comunicação por atitude somadas. Separando-as, observamos que o marketing esportivo cresceu 366%, abaixo da média, enquanto o marketing cultural atingiu 1.594% no mesmo período, três vezes a média.

2. Substância

No marketing cultural, a marca se associa a valores que estão fortemente sedimentados no inconsciente coletivo. Há pouco, arqueólogos descobriram uma flautinha de 80 mil anos que pertenceu ao homem de Neanderthal. Portanto, o homem faz música há, no mínimo, 80 mil anos. Certamente desde então havia platéia. Também já foram encontrados em cavernas acervos maravilhosos do que hoje denominamos de artes visuais, datados de 15 a 30 mil anos. Portanto, quando uma empresa patrocina as artes, não está associando sua marca somente àquele espetáculo de teatro, àquele festival de dança, àquela exposição, àquele livro… Está associando a sua marca ao próprio teatro, à dança, à literatura, à poesia, à áreas da espiritualidade humana de valor inestimável, que expressam valores fortemente marcados no inconsciente coletivo.

3. Adequação

A cultura é a pátria da diversidade. Não há valores, ou conjugações de valores, que uma marca necessite expressar que não tenham correlação no campo cultural. A empresa sempre irá encontrar ações culturais que correspondem exatamente à identidade da sua marca. É como entrar numa espécie de supermercado de atributos e caminhar entre as gôndolas colocando no carrinho os valores associados a sua marca. Para um banco que quer transmitir “tradição e segurança”, provavelmente a solução não é patrocinar o próximo espetáculo do Gerald Thomas, que irá expressar “inovação e polêmica”. É melhor optar por uma série de concertos sinfônicos. Já uma marca de jeans que quer estar mais próxima dos sentimentos dos adolescentes deve preferir associar-se a um festival de rock transgressor. E assim, qualquer natureza de marca encontra formas adequadas de expressão artística-cultural.

Vamos pegar um exemplo do laboratório de marketing da Souza Cruz. A formulação estratégica de uma ação de marketing cultural adequada ao perfil da marca Free resultou no Free Jazz Festival. O evento agrega todos os valores necessários à marca: “modernidade, qualidade, prestígio, independência e jovialidade”. As pesquisas revelaram que o festival de jazz ainda adiciona “internacionalidade, grandiosidade e vanguarda”. Quando nasceu, o Free Jazz recebia menos de 1% da verba de comunicação do cigarro. A ação foi se comprovando tão eficaz que hoje leva 20%. Certamente, estes milhões de dólares por ano não são investidos só por amor ao jazz.  Vejam agora um anúncio institucional da General Motors. Título: “Commitment. Em síntese, seu texto informa que a GM patrocina a arte porque, tal qual os artistas, está em busca da excelência. A empresa quer demostrar seu “compromisso” com um valor mais básico, elementar da arte: a “excelência”. A Pirelli, neste outro anúncio, trabalha uma demanda de comunicação decorrente da formação do mercado comum europeu. As empresas não queriam mais ser percebidas como empresas inglesas, francesas, suecas ou alemãs, mas sim como empresas européias. Como a Pirelli fez isso através do marketing cultural? Passou a patrocinar instituições culturais em toda a Europa e publicar estes anúncios dizendo: “Eu tenho uma cultura internacional”, porque ajudo a financiar um museu francês, o Louvre, um museu inglês, o Victoria & Albert Museum, e também um teatrinho italiano, o La Scala de Milão.

4. Segmentação

Além de oferecer uma gama de atributos adequados ao perfil de qualquer marca, o marketing cultural atende também ao perfil sócio-econômico e psicográfico de qualquer nicho de mercado. Ações podem ser programadas no tempo, no espaço, no gênero, na qualidade, na intensidade… As variáveis disponíveis para o planejamento da ação permitem atingir com precisão os mais específicos segmentos.

Exemplos de ações

1. Comunicação de massa

Yes, nós também fazemos comunicação de massa. Basta contratar a Madonna, como fez a Antarctica no início da guerra das cervejas.

2. Comunicação dirigida

Mas é na comunicação mais segmentada que o marketing cultural se torna ainda mais valioso e se diferencia e produz efeitos que as demais ferramentas não conseguem. Esse é o exemplo de uma ação que nós da Articultura desenvolvemos para a Philips para atingir um nicho muito específico e transmitir valores muito específicos. Eram eventos de música instrumental de altíssima qualidade onde artistas como Paul Horn, John Hassel e Grupo Uakti levaram a platéia sofisticada a associar a marca Philips a “inovação”. Uma ação ainda mais dirigida, para atingir um público restrito e específico é a que desenvolvemos para o jornal O Estado de S. Paulo, num esforço de aproximação do veículo com o meio cultural. Convite a somente 150 pessoas para assistirem a palestras como esta da Camille Paglia.

3. Eventos de relacionamento

Aqui um exemplo de uma ação do Banco Safra, que patrocinou uma exposição em Brasília, fazendo uma ação de relacionamento que certamente atingiu o alvo na mosca. Olhem essa nota colhida no caderno de política da Folha de S. Paulo: “o presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurou ontem a exposição Expressões do Corpo, que ocorreu no salão principal do Palácio do Planalto. Estiveram presentes, além do presidente, ministros, parlamentares, o vice presidente Marco Maciel e a primeira dama Ruth Cardoso. FHC elogiou o Banco Safra por financiar a exposição e ainda destacou os outros investimentos culturais do banco como a cátedra de estudos brasileiros na Universidade de Stanford”. Quem criou essa ação no Banco Safra deve ter sido mandado de férias para as Bahamas no dia seguinte para curtir o merecido sucesso da sacada.

4. Brindes qualificados

O marketing cultural também pode renovar e agregar valor ao velho e bom brinde, fazendo render bem mais aquela rubrica orçamentária cativa das agendas Pombo. O banco BBA teve a feliz idéia de financiar uma pesquisa sobre o Barão de Mauá e nos permitiu redescobrir esse extraordinário brasileiro. O livro dá inclusive uma contribuição decisiva para que possamos entender que vem de longa data o embate que a sociedade trava, no presente, com o Estado anacrônico e perdulário. Os recursos que propiciaram a pesquisa histórica foram provavelmente inferiores ao custo de brindes convencionais. O BBA pôde distribuir esse livro antes de seu lançamento deixando envaidecidos seus clientes que tiveram o privilégio de o terem lido antes de se tornar um sucesso de crítica e público.

5. Ação internacional, repercussão local

Aqui, outro exemplo interessante. Para comemorar a sua presença no Brasil, a Bayer promoveu uma exposição de arte contemporânea brasileira na Alemanha e, inteligentemente, divulgou sua atitude na imprensa brasileira. Reconhecendo a importância de projetar os artistas plásticos brasileiros no exterior, nossa imprensa repercutiu o gesto da Bayer com força e simpatia. Num segundo momento da ação, a Bayer trouxe a exposição para um museu brasileiro, o MAM de São Paulo, colhendo ainda mais frutos.

6. Ações compartilhadas

Para obter resultados com o marketing cultural, a empresa não precisa necessariamente desenvolver uma ação exclusiva para sua marca. Se bem planejada, pode ter sucesso mesmo compartilhando uma ação com diversas outras marcas. Um bom exemplo se dá na Bienal Internacional de São Paulo, um evento de importância mundial que tem seu custo de US$ 15 milhões financiado por dezenas de instituições públicas e privadas. Há alguns anos atrás, quando começou a vender cotas de patrocínio para as empresas, a Fundação que dirige o evento não sabia bem como proporcionar reciprocidade às marcas. Tentando acertar, foi do 8 ao 80. Primeiro, oferecendo um singelo agradecimento no catálogo da exposição em troca de milhares de dólares. Depois, permitindo que um enorme tubo inflável de uma pasta de dente patrocinadora se infiltrasse entre as obras expostas, numa hilária demonstração de estupidez e falta de senso de ridículo dos responsáveis pela marca. Mas com o tempo, organizadores e patrocinadores foram aprendendo, até a parceria atingir a maturidade na edição de 96.

A Bienal fechou excelentes acordos promocionais na mídia. Obteve milhares de centímetros/coluna de espaço publicitário em veículos como a Veja, o Estadão e a Folha, repassando-os proporcionalmente a seus patrocinadores. As empresas ocupavam este espaço com campanhas encomendadas às suas agências que associavam suas marcas a um dos grandes artistas expostos, com exclusividade. O BFB, por exemplo, ficou com Picasso. A Coca-Cola com Andy Warhol, naturalmente. Outras marcas preferiram desenvolver ações específicas, como o jornal O Estado de S. Paulo, cliente da Articultura. Pensamos em uma forma do Estadão ser percebido dentro da Bienal pelo que é como produto: um veículo de informação e, assim, criamos o Guia Digital Estadão. O visitante tinha acesso a um aparelho portátil de CD com fone de ouvido para navegar pela exposição na companhia de um amigo virtual expert em artes plásticas. Seus comentários e informações, em linguagem acessível aos mortais, enriqueciam sobremaneira a apreciação das obras. Além de prestar um inestimável serviço ao público e ao evento, o Estadão obteve a mais destacada presença entre todas as marcas participantes.

7. Comunicação de produto

Algumas empresas promovem seus produtos por meio da cultura. Este é o caso de um amaciante de roupas que promove o mais importante festival de dança contemporânea brasileira, o Confort em Dança. E aqui uma marca de cerveja premium que patrocina um sofisticadíssimo festival de música instrumental, também fortemente ancorado em atrações brasileiras, o Heineken Concerts.

8. Comunicação corporativa

Outras empresas preferem fazer marketing cultural para sua marca corporativa e desenvolvem ações que beneficiam o conjunto de seus produtos. Quando adquiriu o Banco Nacional, o Unibanco herdou um dos maiores patrimônios de marketing cultural brasileiros: a rede de salas de cinema que integrava o Espaço Banco Nacional. O Unibanco teve a inteligência de não descontinuar o projeto. Rebatizou-o para Espaço Unibanco de Cinema mantendo seu conceito original e a equipe que o criara. Após sentir a dimensão do resultado, decidiu ampliar o número de praças e de salas. Temos aqui a Shell, que entre outros méritos permitiu que uma companhia de dança brasileira, o Grupo Corpo, se tornasse uma das melhores do planeta. Claro que o crédito principal deve ser dado ao extraordinário talento da família Pederneiras, que criou e dirige o grupo. Mas outros talentos equivalentes do país não puderam aflorar por falta de recursos financeiros. A Shell apóia o Grupo Corpo com o mais consistente sistema de patrocínio já feito no Brasil. A companhia comunica, a cada ano, se poderá manter seu investimento para dali a três anos. Ou seja, todo ano o Corpo pode estabelecer um planejamento de formação, criação, produção e apresentação para os próximos três anos. Tamanha é a relação de confiança entre a companhia de dança e a de petróleo que não há contrato entre as partes. Nada está por escrito. Nem se a marca Shell deve constar da publicidade dos espetáculos do grupo. É claro que o Corpo responde à generosidade da Shell na mesma equivalência, gerando uma enorme visibilidade positiva para seu patrocinador. Mas as ações de marketing cultural da Shell não se restringem ao Grupo Corpo. Também patrocina a produção e a circulação de espetáculos e prêmios de teatro e música. Ao todo, investe algo em torno de U$5 milhões por ano. Faz, sistematicamente, pesquisas de retorno e apesar de não revelar os resultados, não é difícil de prevê-los, pois a Shell vem mantendo, há anos, seu substancial orçamento de marketing cultural

Conclusão

Estes são alguns exemplos da forma como as empresas vêm utilizando a cultura como ferramenta de comunicação. Espero que vocês possam estabelecer analogias e explorar as possibilidades do patrocínio cultural no financiamento das televisões universitárias.

 

Yacoff Sarkovas
Palestra no “1º Fórum Brasileiro de Televisão Universitária”, em 31 de outubro de 1997, publicada no livro “A TV da Universidade”, em 1998